terça-feira, 18 de agosto de 2009

O "curso" de Sócrates

O processo da licenciatura do primeiro-ministro, José Sócrates, na Universidade Independente (UnI) começa a levantar dúvidas em 2005: há documentos por assinar e carimbar, datas confusas, contradições nas notas, professores repetidos. As falhas são pela primeira vez mencionadas no blogue "Do Portugal Profundo" e só passados dois anos emergem nas primeiras páginas dos jornais. Foi o primeiro grande escândalo da democracia lusa a nascer na Internet.

No início de 2007, o reitor da Universidade Independente, Luís Arouca, afasta o vice-reitor, Rui Verde, acusando-o de corrupção e falsificação de documentos. A instituição começa a ser investigada. Por essa altura, os rumores sobre a licenciatura do ex-ministro do Ambiente na blogosfera já são demasiado fortes. António Balbino Caldeira, autor do blogue "Do Portugal Profundo", escreve: "Em Março, um jornalista do Público tem acesso às dezassete folhas do processo na Independente e, no dia 22, publica a investigação. O primeiro-ministro terminou o bacharelato no Instituto Superior de Engenharia Civil de Coimbra em 1979. Quinze anos mais tarde, já deputado, inscreve-se no curso do ISEL (Instituto Superior de Engenharia de Lisboa), onde termina dez cadeiras semestrais e deixa 12 por fazer. Em 1995, o reitor da Independente aceita a sua inscrição - sem receber o certificado de habilitações do ISEL (chega depois). Na UnI, conclui cinco disciplinas - entre as quais, o célebre Inglês Técnico -, três leccionadas pelo mesmo professor. As classificações de quatro cadeiras são lançadas num domingo de Agosto."

Os jornais agarram a história e começam a surgir referências a pressões. Ouvidos pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), os responsáveis pelo PÚBLICO, SIC e Rádio Renascença (RR) falam mesmo em ameaças. "Não foi uma ameaça formal, mas houve uma alusão ao tribunal", afirmou o director de informação da RR sobre um telefonema do gabinete do executivo.

Duas semanas depois, Sócrates cede e dá uma entrevista à RTP. Defende-se argumentando que "um aluno não é responsável pelo funcionamento" da sua universidade e que integrava uma turma "especial, de alunos oriundos de outras instituições". Semanas antes, o Público confrontara o seu gabinete com o facto de a Ordem dos Engenheiros não lhe reconhecer o título profissional de "engenheiro civil". Nos dias seguintes, o currículo oficial do primeiro-ministro no portal do Governo é modificado e passa a identificar Sócrates como "licenciado em Engenharia Civil". Em relação a este assunto, o chefe de Governo diz à RTP que não será "nem o primeiro nem o último engenheiro técnico a ser designado de engenheiro, o que - toda a gente sabe - é uma designação social e de cortesia."

No dia 3 de Novembro, o jornal "Expresso" garante que Sócrates se candidatara a uma pós-graduação no ISCTE utilizando um currículo onde incluía a prática de funções de engenharia civil na Câmara da Covilhã entre 1981 e 1987. É nesta altura que os portugueses descobrem as casas forradas a azulejos com projectos de engenharia assinados pelo seu primeiro-ministro.

A Procuradoria-Geral da República abre um inquérito sobre a polémica, mas arquiva-o dias depois. "Da análise conjugada de todos os elementos de prova carreados para os autos resultou não se ter verificado a prática de crime de falsificação de documento autêntico", concluiu. Sobre o processo que Sócrates move contra o autor do blogue "Do Portugal Profundo", as procuradoras consideraram que os escritos de António Balbino se inscrevem "no exercício do direito de crítica".